Resumo:

É com grande prazer que trazemos para o leitor brasileiro esta publicação contando a experiência do movimento de usuários dos Estados Unidos, através do texto de Richard Weingarten, liderança deste movimento em Connecticut, e amigo e companheiro nosso já há alguns anos.

 Há algum tempo, mantemos contatos e iniciamos a divulgação de pequenos textos e entrevistas acerca do movimento de usuários em saúde mental na Europa e nos países de língua inglesa. Ficamos impressionados com a força deste movimento, com a ampla difusão de seus grupos de ajuda e suporte mútuo, com a autonomia de seus projetos e serviços dirigidos pelos próprios usuários, com a firmeza das iniciativas de defesa dos direitos dos usuários e familiares, pelo compromisso de seu envolvimento nas decisões no sistema de saúde mental, e pelo calor de suas lutas e reivindicações por mudanças nas políticas, leis e nas atitudes estigmatizantes da sociedade para com o usuário em saúde mental. Entretanto, a barreira da língua sempre fez que este contato ficasse difícil para a maioria dos brasileiros e principalmente para os maiores interessados neste intercâmbio de experiências: os próprios usuários e familiares.

 Quando conhecemos Richard Weingarten em 1997, sentimos que uma grande oportunidade se abriria: primeiro, pela sua história pessoal, como você poderá conferir no esboço bibliográfico apresentado a seguir, por constituir uma liderança consolidada no movimento dos Estados Unidos, e fundamentalmente pela sua passagem de vida em nosso país, que o marcou fundo no coração, gerando uma alma meio-brasileira, amante de nosso jeitinho de ser, e é claro, falante de bom português. Assim, abria-se a possibilidade da troca de experiências não só dos fazeres concretos do movimento, mas principalmente de faze-lo também na língua comum do coração e da emoção, o que é raro acontecer nestes intercâmbios transnacionais. Mas, além de tudo, se ele foi fisgado por nós, ele nos fisgou também por sua amizade, sua simplicidade como gente, sua profunda atenção e cuidado com cada pessoa, principalmente com os companheiros usuários, e sua profunda disposição interna de não parar de aprender novas dimensões da vida, não só para lidar com seus próprios desafios subjetivos e existenciais, mas principalmente para trocar com seus amigos e colegas dos grupos de ajuda e suporte mútuo.

 Sinceramente, não sabemos quais poderão ser os resultados desta divulgação da experiência do movimento de usuários norte-americanos no Brasil. Sabemos sim de algumas das diferenças culturais, políticas, econômicas e sociais profundas entre os dois países. Por exemplo, estamos conscientes de que em nossa cultura predominantemente hierárquica, os laços familiares de dependência das autoridades e dos profissionais tendem a ser mais fortes. Temos uma cultura profissional em saúde mental que acentua a perspectiva dominante do profissional na relação com o cliente, marcada pela idéia de que possíveis bons resultados são frutos do tratamento provido pelo profissional. A perspectiva anglo-saxã do empowerment, ou fortalecimento do poder dos usuários, tem poucas raízes na cultura e no sistema econômico, social e político hegemonicamente autoritário e excludente de nosso país. Além disso, nossas associações no campo da saúde mental são em sua maioria absoluta mistas, congregando trabalhadores, familiares e usuários, de forma conjunta e interdependente.

 Por outro lado, podemos sim dizer com segurança que com esta cartilha não visamos ingenuamente tentar copiar estratégias do movimento de outros países, como no caso o dos Estados Unidos. Procuramos apenas inter-conhecer, trocar experiências, saber do que é possível a aventura humana e de luta em outros contextos, para poder recriar e reinventar nossas próprias utopias e ideais a partir das diferenças e de nossa própria cultura e vida.


Rio de Janeiro, setembro de 2001


 Eduardo Mourão Vasconcelos
 Coordenador do Projeto Transversões

 Domingos Sávio do Nascimento Alves
 Presidente do Instituto Franco Basaglia

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